quarta-feira, 29 de abril de 2009

Atividade-05: Leia

A borboleta azul

No dia seguinte, como eu estivesse a preparar-me para descer, entrou no meu quarto uma borboleta, tão negra como a outra, e muito maior que ela. Lembrou-me o caso da véspera, e ri-me; entrei logo a pensar na filha de D.Eusébia, no susto que tivera, e na dignidade que, apesar dele, soube conversar. A borboleta, depois de esvoaçar muito em torno de mim, pousou-me na testa. Sacudi-a, ela foi pousar na vidraça; e, porque eu a sacudisse de novo, saiu dali e veio parar em cima de um velho retrato de meu pai. Era negra como a noite. O gesto branco com que, uma vez posta, começou a mover as asas, tinha um certo ar escarninho, que me aborreceu muito. Dei de ombros, saí do quarto; mas tornando lá, minutos depois, e achando-a ainda no mesmo lugar, senti uma repelão dos nervos, lancei mão de uma toalha, bati-lhe e ela caiu.


Não caiu morta; ainda torcia o corpo e movia as farpinhas da cabeça. Apiedei-me; tomei-a na palma da mão e fui depô-la no peitoril da janela. Era tarde; a infeliz expirou dentro de alguns segundos. fiquei um pouco aborrecido, incomodado.


-Também por que diabo não era azul? disse comigo.


E esta reflexão – uma das mais profundas que se tem feito, desde a invenção das borboletas – me consolou do maleficio, e me reconciliou comigo mesmo. Deixei-me estar a contemplar o cadáver, com alguma simpatia, confesso. Imaginei que ela saíra do mato, almoçada e feliz. A manhã era linda. Veio por ali fora, modesta e negra, espairecendo as suas borboletices, sob a vasta cúpula de um céu azul, que é sempre azul, para todas as asas. Passa pela minha janela, entra e dá comigo. Supondo que nunca teria visto um homem; não sabia, portanto, o que era um homem; descreveu infinitas voltas em torno do meu corpo, e viu que me movia, que tinha olhos, braços, pernas, um ar divino, uma estatura colossal. Então disse comigo: “Este é provavelmente o inventor das borboletas”. A idéia subjugo-a, aterrou-a; mas o medo, que também é sugestivo, ensinou-lhe que o melhor modo de agradar ao seu criador era beijá-lo na testa, e beijou-me na testa. Quando enxotada por mim, foi pousar na vidraça, viu dali o retrato de meu pai, e não é impossível que descobrisse meia verdade, a saber, que estava ali o pai do inventor das borboletas, e voou a pedir-lhe misericódia.


Pois um golpe de toalha rematou a aventura. Não lhe valeu a imensidade azul, nem a alegria das flores, nem a pompa das folhas verdes, contra uma toalha de rosto, dois palmos de linho cru.


Vejam como é bom ser superior às borboletas! Porque, é justo dize-la, se ela fosse azul, ou cor de laranja, não teria mais segura a vida; não era impossível que eu atravessasse com um alfinete para recreio dos olhos. Não era. Esta última idéia restituiu-me a consolação; uni o dedo grande ao polegar, despedi um piparote e o cadáver caiu no jardim. Era tempo; aí vinham já as próvidas formigas...Não, volto à primeira idéia; creio que para ela era melhor ter nascido azul.


Assis, Machado de. Memórias póstumas de

Brás Cubas, São Paulo, Abril Cultural, 1978.

p.62-3

4 comentários:

  1. A PROFESSO VOCÊ SABIA DESSA HISTORIA AI: Um garoto de 10 anos que tem um câncer no cérebro sonha em encontrar uma mítica borboleta. Para realizar o sonho do filho, uma mulher convence um entomologista a realizar uma viagem à floresta com o garoto. Com William Hurt.

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  2. essa borboleta que ele tem sonho de ver e azul!!!

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  3. haaa ainda pode posta a historia em guadrinhos ou nao???

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  4. Pode sim. Essa história que você fala se trata deb um filme?

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